SALA DE AULA INTERATIVA APONTA NOVO DESAFIO PARA ENSINO
Flávia Muniz/BR Press
São Paulo, BR Press - O grande desafio dos professores, na era da informação digital, é mudar de atitude. Atualmente, extrapolar os limites da sala de aula e considerá-la como ponto de partida na busca do conhecimento requer mudança de enfoque educacional, de papel representado pelo professor e das expectativas dos alunos. "É preciso investir em interatividade na relação professor, alunos e conteúdos curriculares. Seja na sala de aula presencial, seja no ensino à distância".
A conclusão é do Prof. Dr. Marco Silva sociólogo, mestre e doutor em educação. Professor da UERJ e da USU, ele desenvolve pesquisas sobre a interatividade aplicada ao ensino. Na entrevista a seguir, discutimos a chegada das tecnologias digitais na sala de aula, como canal importante para o aperfeiçoamento da comunicação entre professores a alunos. Em seu livro Sala de Aula Interativa, lançado recentemente pela Quartet Editora (232 págs., R$ 27,00), ele expõe porque não acredita que a interatividade dependa apenas de computadores e da internet, mas, principalmente, da maneira como se encara a aprendizagem, o conhecimento, o modo de atuação do professor e o novo espectador (o aluno), que já é parte de uma geração digital.
Como se dá a aprendizagem na era da comunicação via internet?
Marco Silva - Era da comunicação via internet, era digital ou era da informação são expressões que exprimem uma mudança radical no mundo das comunicações. Exprimem um novo cenário, diferente daquele definido pelo modelo unidirecional da mídia de massa (rádio, cinema, imprensa e tv) que marcou o século 20. Cito pelos menos cinco características do cenário comunicacional da era internet:
1 - Novas tecnologias informáticas conversacionais, onde a tela do computador não é espaço de irradiação, mas de adentramento e manipulação, com janelas móveis e abertas a múltiplas conexões em rede;
2 - Os internautas e não somente as empresas especializadas têm a posse dos meios de produção e disponibilização da informação e do entretenimento (sites que oferecem notícias, músicas e filmes);
3 - A mensagem não é mais emitida, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado; ela é aberta, modificável, na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta;
4 - Estratégias dialógicas de oferta e consumo envolvendo cliente-produto-produtor;
5 - O novo espectador, menos passivo perante a mensagem mais aberta à sua intervenção, que aprendeu com o controle remoto da TV
Portanto podemos dizer que há uma transição da era da transmissão em massa para a era da interatividade, exigindo novas estratégias de organização e funcionamento da mídia clássica e redimensionamento do papel de todos os agentes, envolvidos com os processos de informação e comunicação.
Há inclusive a exigência de modificação da base comunicacional, que faz da sala de aula tão unidirecional quanto a mídia de massa. Ou seja: é preciso investir em interatividade na relação professor, alunos e conteúdos curriculares. Seja na sala de aula presencial, seja no ensino à distância.
Que características a sala de aula interativa deve ter e/ou preservar?
Marco Silva - A escola não se encontra em sintonia com a modalidade comunicacional emergente. Como se sabe, há cinco mil anos ela se baseia no falar-ditar do mestre. A sala de aula, tradicionalmente fundada na transmissão de A para B ou de A sobre B, permanece alheia ao movimento das novas tecnologias comunicacionais e ao perfil do novo espectador. Para enfrentar o desafio de mudar essa tradição, o professor encontra no tratamento complexo da interatividade os fundamentos da comunicação, que potencializam um novo ambiente de ensino e aprendizagem. Tais fundamentos mostram que comunicar em sala de aula significa engendrar/disponibilizar a participação/exploração livre e plural dos alunos, de modo que a apropriação das informações, a utilização das tecnologias comunicacionais (novas e velhas) e a construção do conhecimento se efetuem como co-criação e não simplesmente como transmissão.
Nem sempre as escolas dispõem de computadores em sala de aula. O que o Sr. recomenda nesse caso?
Marco Silva - Investir em aprendizagem interativa não significa de imediato equipar a sala de aula com computadores ligados à internet. Antes ou concomitantemente, é preciso modificar o modelo cristalizado da transmissão. Nas feiras de educação e informática circula freneticamente uma multidão de gestores de escolas e de sistemas de ensino, à procura de soluções para a aprendizagem na era digital. Muitos investem em equipamentos de realidade virtual, em carteiras informatizadas conectadas ao computador do professor e à rede. Porém o essencial não é a tecnologia, mas um novo estilo de pedagogia baseado na participação, cooperação e multiplicidade de conexões entre os atores envolvidos no processo de construção do conhecimento e da própria comunicação. As tecnologias digitais, quando bem utilizadas, potencializam essa nova comunicação. Caso contrário banalizam a interatividade, reduzem-na a argumento de venda, o dourado da pílula.
O Sr. acredita que o professor brasileiro já esteja preparado para desempenhar papel tão interativo na sala de aula?
Marco Silva - É preciso investir na sua formação permente de qualidade, e aqui deverá estar a sua preparação para romper com a tradição do falar-ditar do mestre, que transmite o conhecimento e separa emissão e recepção. É preciso também injeção de ânimo com reconhecimento social e melhores salários. Juntamente com tudo isso, a liberdade e infra-estrutura para criar a partir dos Parâmetros Curriculares do MEC e a cooperação entre os professores, pais e alunos de cada escola e de redes de escolas no enfrentamento dos desafios comuns.
Os jovens gostam de pesquisar, mas lhes falta treino para isso e também para sintetizar o conhecimento obtido. Isso não nos leva a um enfoque único do professor, no fechamento da pesquisa?
Marco Silva - Aprender a navegar pela multiplicidade de dados e daí sintetizar o conhecimento é tarefa para toda vida. A escola é certamente o lugar privilegiado para a sistematização desse aprendizado. Mas, por estar vinculada ao modelo da transmissão, prevalece o enfoque único do professor no fechamento da pesquisa. O professor que busca interatividade com seus alunos propõe o conhecimento, não o transmite apenas. Em sala de aula ele é mais que instrutor, treinador, parceiro, conselheiro, guia, facilitador, colaborador. Ele é formulador de problemas, provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador das inteligências múltiplas e coletivas na experiência do conhecimento. Ele disponibiliza domínios do conhecimento, para que os alunos possam construir seus mapas e conduzir suas explorações, individualmente e em cooperação, na sala de aula presencial ou à distância. Ele disponibiliza estados potenciais do conhecimento de modo que o aluno experimenta a criação do conhecimento quando participa, interfere, modifica. Por sua vez, o aluno deixa o lugar da recepção passiva de onde ouve, olha, copia e presta contas, para se envolver com a proposição do professor. E assim aprende a pesquisar e a sintetizar o conhecimento obtido.
O Sr. acredita que haja tempo hábil para se criar e desenvolver um clima de interação em cada aula, face ao conteúdo programático extenso, exigido pela escola?
Marco Silva - O que temos é esse modelo escolar fragmentado em disciplinas estanques com pouco tempo hábil para se dar conta do conteúdo programático extenso. Cada classe assiste aos vários professores que entram, dão seu recado e saem. A transmissão, o falar-ditar é o modo de comunicação que se presta a esse modelo de ensino. Um outro modelo escolar que privilegie a transdisciplinaridade, isto é, o intercâmbio entre as diversas áreas de conhecimento como literatura, química, matemática, história, geografia, artes, educação física, etc., poderá interromper com a fragmentação dos saberes ampliar o envolvimento de cada estudante com a construção do conhecimento.
(Fonte:BR Press - 19/07/2000)
Acessado dia 27/06/2012.